Cantada ou assédio? Existe mesmo alguma diferença?
 
12Jan

Cantada ou assédio? Existe mesmo alguma diferença?

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Claudio Herique

 

Os casos de assédio sexual em Hollywood vem tendo grande destaque na mídia, com as mais variadas reações também nas redes sociais. Vale refletir sobre como estas questões realmente se aplicam no nosso dia a dia. Elas nos remetem ao machismo, ainda muito presente e que não é mais tolerado nas grandes e médias corporações. E uma boa parte da sociedade começa a acordar para isto.
 
Voltando ao caso de Hollywood, vi muita gente (inclusive mulheres) questionar o fato dessas artistas só terem se manifestado sobre assédio após ficarem famosas. E que não seria justo estes homens serem “condenados” e perderem seus empregos por atos cometidos há 20, 30 anos atrás.
 
Acredito que estas pessoas não tenham percebido que talvez estas mulheres tenham ficado caladas por tanto tempo porque antes ninguém daria ouvidos. Claro que o fato delas serem famosas amplifica a repercussão sobre o tema, mas não diminui sua importância. Se queremos um mundo igualitário, precisamos acabar com o assédio sexual em todos os ambientes. E quer saber? Não fico com pena de nenhum deles por terem perdido seu emprego. O jogo mudou. Aproveitaram-se de uma situação de privilégio por muito tempo – já ficaram no lucro.
 
Como o barulho foi grande, a coisa ainda está pipocando. Vem da França, e justamente por parte de mulheres, uma dura reação a este movimento feminino nos Estados Unidos. Catherine Deneuve, uma das musas da sétima arte, liderando um grupo de 100 artistas e intelectuais francesas, veio a público para dizer que as reações aos fatos acontecidos em Hollywood ferem as liberdades sexuais e de expressão. Saiba mais aqui: http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-136989/
 
Alguém vai dizer: “ah, mas é França é um país de primeiro mundo, o povo é mais culto, educado”. Números do governo francês apontam que 225 mil mulheres sofrem algum tipo de violência por ano. Se a moçada lá também resolve bater ou agredir a mulherada, não tenho motivos para achar que o assédio seja muito diferente. E aqui no Brasil, a socialite Danuza Leão resolveu dar seu pitaquinho, dizendo em depoimento ao jornal O Globo que “toda mulher deveria ser assediada três vezes por semana para ser feliz. Viva os homens”. Aqui o depoimento dela ao O Globo: https://oglobo.globo.com/sociedade/danuza-leao-globo-de-ouro-me-pareceu-um-grande-funeral-22271999
  
Caramba. Sou homem, mas não acho engraçado ver as mulheres discordando sobre um tema que as afeta tão diretamente como o assédio. Fico realmente triste. Espero que os acontecimentos nos Estados Unidos entrem para a história como um marco da luta feminina contra o assédio sexual. E que abram as portas para mudanças em relação a outras questões, como a violência contra as mulheres.
 
Duvido muito que a nossa Danuza não tenha ficado chocada com alguns casos divulgados na mídia de homens que ejacularam na cara de passageiras no transporte público. Mas ela ainda acha legal ser assediada na rua, no trabalho. Para mim, certas atitudes somente acontecem porque o machismo ainda é tolerado na nossa sociedade.
 
Defender assédio, de qualquer espécie, não é defender a liberdade sexual ou de expressão. Mais do que isso, defender assédio é tolerar uma atitude machista, que não tem (ou pelo menos não deveria) espaço no século 21. Por isso, as artistas americanas estão fazendo história. E certamente, contam com o apoio dos homens de bom senso de todo o mundo.
 
Ainda falando sobre o assédio no ambiente de trabalho. Atitudes como contato físico desnecessário, assédio verbal ou gestual (aquela cantadinha nossa de cada dia), uma mensagem de texto mais ousada e fora do contexto de trabalho, convites inapropriados ou a oferta de presentes constrangedores, podem configurar assédio no trabalho. Vale lembrar que isso vale tanto para os homens quanto para as mulheres.
 
Claro que as pessoas ainda podem inclusive se apaixonar por alguém que trabalha a seu lado. Faz parte. Aliás, não são raros os casos de colegas de trabalho que acabam se casando. Mas as regras do jogo mudaram. E qualquer pessoa inteligente sabe distinguir o joio do trigo.
  
Comportamentos considerados absolutamente normais há poucos anos atrás, hoje são considerados crime. Ainda bem. Isso vale para o assédio, para o racismo. Lembra do jornalista demitido por uma “brincadeirinha” sobre “coisa de preto”? Pessoas do mesmo sexo podem casar no papel. Já diria Frederico Fellini, “la nave va”. O navio das mudanças já partiu. E pouco importa se você, a Catherine Deneuve, a Danuza Leão ou o Papa acharam que o mundo ficou mais chato e sem graça.  


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